A transfobia midiática é sempre a mesma?

Igualar a transfobia da mídia do Brasil e Reino Unido pode induzir a erros, entenda

Beatriz Pagliarini Bagagli
3 min readNov 1, 2021
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Eu vi algumas pessoas comentando sobre uma eventual comparação entre a mídia brasileira e britânica a respeito de como ambas seriam transfóbicas. Esse tipo de comentário induz a muitos erros, pois seria como comparar bananas com maçãs, supor que a transfobia seria algo homogêneo — não é.

A transfobia na mídia desses dois países tem uma natureza bem diferente, pois a representação estigmatizante sobre pessoas trans é bem distinta. E digo mais: a transfobia no Reino Unido é muito mais disseminada na grande mídia daquele país, sob vários pontos estratégicos que impactam os direitos trans que não acontece aqui.

A transfobia midiática no Brasil acontece sobretudo em jornais de quinta categoria, aqueles que noticiam crimes de forma sensacionalista. Não acontece nos jornais prestigiados com as pautas nacionais “sérias”. A transfobia midiática no Reino Unido é da grande mídia, ela chegou à hegemonia de grandes portais — veja o exemplo da BBC.

No Reino Unido, é o discurso TERF que pauta os temas das matérias sobre as questões trans. Isso não ocorre no Brasil, aqui não temos a disseminação da ideologia TERF no senso comum como ocorre no Reino Unido, de forma com que não temos um exército de jornalistas TERFs como ocorre no Reino Unido. Não temos a nossa J.K. Rowling também.

A imagem estigmatizante da travesti na mídia brasileira é criada por uma mídia marginal e de pouco impacto, em contextos em que uma travesti é morta ou comete algum tipo de crime. Não deixa de ter o seu impacto prejudicial, mas é de outra natureza. Essa representação a respeito da travesti criminosa, mesmo que estigmatizante, abre brecha para representá-la como vítima, pois ela frequentemente é pobre e prostituta e comete um crime, como furtar o seu cliente, para sobreviver.

A representação estigmatizante da mulher trans no Reino Unido é completamente diferente da travesti brasileira, porque neste caso ela provém do imaginário TERF a respeito de uma mulher trans que é um “homem fetichista que vai estuprar mulheres a qualquer momento”. A imagem da mulher trans é a de um estuprador na mídia do Reino Unido, e por isso não há nenhuma brecha para considerá-la como uma vítima.

Consideremos a forma como a grande mídia brasileira noticiou o Supremo Tribunal Federal (STF) ter permitido a autodeclaração para mudança de documentos. Nenhum portal de notícia sério no Brasil foi entrevistar uma TERF a respeito de sua “legítima preocupação com a segurança das mulheres”. No Reino Unido isso é de praxe, porque a perspectiva de que a autodeclaração de pessoas trans para retificar os documentos é uma ameaça para as mulheres virou senso comum, como se fosse algo óbvio. A mídia brasileira não cometeu esse tipo de transfobia e desinformação. Tanto é que a reforma da lei de identidade de gênero no Reino Unido fracassou, e hoje somos mais avançados nesse quesito do que o Reino Unido.

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Beatriz Pagliarini Bagagli

Transfeminista e analista de discurso, pesquisa o campo de cuidado com a saúde e direitos coletivos para a população trans.