Consentimento informado e supressores de puberdade para jovens transgêneros

Beatriz Pagliarini Bagagli
3 min readDec 15, 2020

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Matteo Badini/ Unsplash.

Sobre exigir “consentimento informado” para jovens menores de idade acessarem bloqueadores de puberdade — assumindo que menores de idade não são capazes de declarar consentimento, então não poderiam acessar esse recurso tão importante no interior de cuidados afirmativos de gênero.

Como disse Zinnia Jones, o argumento que exige consentimento informado deveria ser aplicado justamente para defender que esses jovens tenham acesso a esses medicamentos, porque o objetivo dos bloqueadores de puberdade é precisamente fornecer mais tempo para que estes jovens possam fazer decisões sobre seus corpos com mais informação e esclarecimento.

Se assumimos que precisamos fornecer consentimento informado para alterações corporais se desenvolvam, deveríamos concluir que todos os jovens (incluindo cisgêneros) deveriam então passar por supressores de puberdade, evitando com que certas características se desenvolvam de forma permanente ou mais permanente, e decidirem posteriormente que tipo de alteração corporal desejam aos 16 anos de idade (idade que presumimos que os jovens sejam capazes de declarar consentimento informado).

Com isso Zinnia não está defendendo de fato que todos os jovens tenham que fazer uso dos bloqueadores — o que ela defende é que os jovens trans e/ou com inconformidade de gênero que desejam e precisam destes medicamentos e estão sob cuidados médicos tenham acesso a esse tratamento. O que ela está dizendo aqui é que a exigência de consentimento como argumento para proibir o acesso aos supressores é equivocado, porque ele nos permite concluir precisamente o contrário do que se supõe.

Se as crianças não podem consentir com o uso dos bloqueadores da puberdade que interrompem quaisquer mudanças permanentes mesmo com a avaliação profissional pertinente, como podem consentir com as mudanças permanentes e irreversíveis que vêm com a sua própria puberdade sem qualquer avaliação profissional? Esta é literalmente uma posição em que mudanças permanentes estão bem, contanto que você não seja trans.
A incapacidade de oferecer consentimento informado ou compreender as consequências a longo prazo é, na verdade, um argumento para colocar cada pessoa cis e trans em bloqueadores de puberdade até que adquiram essa habilidade.

Obviamente uma chuva de gente indignada com o argumento de Zinnia, afinal, ninguém nunca se perguntou se jovens estão em condição de consentirem com a puberdade porque assumem simplesmente estas transformações corporais como algo da “natureza” e do “desenvolvimento natural” de uma pessoa.

Pois bem, vamos supor que um menino cisgênero comece a desenvolver seios, não seria razoável interromper este processo se ele se sentir mal com essa transformação corporal? Se uma menina cisgênera começa a desenvolver pelos faciais e engrossamento da voz, não seria simplesmente razoável lançar mãos de meios médicos e evitar tais configurações corporais e dar mais tempo para que estes jovens possam decidir se desejam ou não essas características corporais?

No mundo em que vivemos já deveríamos compreender que o corpo não é e nunca foi um mero acidente inevitável da natureza. A supressão de puberdade para jovens trans escandaliza a sensibilidade cisnormativa porque ela vai contra a noção que prevê o destino supostamente “natural” e inexorável dos corpos. Ela escandaliza porque nos lembra também que não acharíamos razoável impor a um menino que ele tenha que simplesmente passar por anos com um padrão de desenvolvimento de glândulas mamárias tipicamente feminino ou a uma menina que tenha que simplesmente passar por anos com um padrão de desenvolvimento de pelos tipicamente masculino antes de atingirem a idade suficiente para declararem plenamente o consentimento informado. Não é razoável esperar este momento para só a partir de então ouvi-los a respeito do que sentem sobre os seus próprios corpos.

O que escandaliza pessoas cisnormativas é a existência de jovens transgêneros que terão a oportunidade de reivindicarem suas identidades de gênero sem terem que sofrer por anos com disforia corporal. Escandaliza o fato de existirem familiares que apoiam os seus filhos transgêneros ao invés de rejeitá-los e expulsá-los de casa. Escandaliza o acesso a cuidados de saúde que sabidamente melhoram a saúde física e mental das crianças e jovens trans. O que escandaliza nos supressores de puberdade é o fato de que somos obrigados a pensar que pessoas transgêneras são pessoas que merecem uma vida digna e o mesmo padrão de cuidado que forneceríamos a jovens cisgêneros.

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Beatriz Pagliarini Bagagli

Transfeminista e analista de discurso, pesquisa o campo de cuidado com a saúde e direitos coletivos para a população trans.